quinta-feira, 28 de fevereiro de 2013

Em Casa...

Passei o restante da semana na casa da Mei, ela preocupada com o que levar para Bridge e eu em como apresentá-la a cidade, sem a chocar demais. Sei que viveu em uma cidade grande antes de se isolar em Shang Simla, mesmo assim, me preocupei em como veria a poluição e a falta de amabilidade das pessoas... O primeiro lugar em meu pensamento foi a Esplanada da Borboleta. Um recanto delicioso, aonde era possível meditar, ver pequenos animais circulando e ficar próximo à natureza.

Chegamos em um domingo pela manhã, em pleno Festival de Verão. Já no aeroporto, percebi sua fluência em nossa língua, apesar de um forte sotaque. Fomos com o Will ao parque, e graças a sua amabilidade, Mei se sentiu muito a vontade, apesar de sua autodeclarada timidez. Tiramos algumas fotos juntos e comemos algumas guloseimas nas barracas de lanches. Aproveitamos a bela tarde para andar de patins e colher flores pelos jardins. Meu amigo conquistou total confiança da minha amada e acabaram se escondendo de mim quando fui trocar nossos bilhetes. Os dois riram muito da minha cara de pavor procurando por eles.

Ao cair da tarde procuramos um restaurante, e como sempre, Will me salvou, eu raramente como fora. Restavam poucos dias para o final das minhas férias e procurei mostrar-lhe meus locais preferidos, como a Esplanada das Borboletas, onde além de meditar, namoramos e fizemos um piquenique. Aproveitamos ao máximo seja apreciando a natureza, quanto o simples prazer do contato sutil e carinhoso de nossos corpos.

Quando voltei às aulas ela escolheu passar mais uma semana ao meu lado e coincidiu com o retorno de Eva. Para minha sorte, o amor estava no ar e Gino a acompanhou. Os dois me pareceram muito felizes juntos e isso contribuiu para Mei simpatizar com ela. E por mais inacreditável, ouvi-a declarar:
– Se fosse você me mudaria logo, nunca vi um homem mais enamorado antes. Desde que te conheceu só fala em você. – minha amada me fitou e seus olhos verdes brilhavam como duas esmeraldas bem polidas. Eu podia sentir as suas dúvidas se desfazerem naquele olhar.

Naquela noite nos amamos como se fosse a primeira e a última vez. Nossos corpos se entrelaçaram como se fossem parte um do outro, seu prazer era o meu, nossos sussurros eram um só som, nossa respiração estava no mesmo ritmo, assim como as batidas de nossos corações. Contudo no final da tarde seguinte tudo desandou.

Havia chegado da escola e encontrei-a na cozinha, completamente à vontade. Fiquei feliz, pois ela parecia já estar definitivamente em minha casa e na minha vida. Beijei-a rapidamente e tomei uma ducha para tirar a poeira da cidade. Saí do banheiro apenas com uma bermuda, quando ouvi a campainha tocar. Abri a porta sem ao menos pensar, e não atinei para o assalto da Gina em minha direção, ela se pendurou em meu pescoço e me deu um beijo na boca. Quando tentei afastá-la, ouvi uma travessa cair no chão.


domingo, 24 de fevereiro de 2013

Ano do Dragão

A princípio, ele usou suas vantagens, peso e altura, mostrando toda sua agilidade e procurando principalmente os chutes mais altos e rápidos. Ele realmente era muito ágil e tinha chutes poderosos. Fui ensinado a me defender facilmente desse tipo de golpe. Além, disso, os vários oponentes do circuito, foram excelentes mestres, aprendi muito com cada um deles. Estar descansado para a última luta não parecia mais uma vantagem.

Finalizei nossa luta com um golpe inesperado. Por causa do meu tamanho e peso, ele não imaginou minha agilidade e flexibilidade, para utilizar o estilo do dragão. Contudo trabalhei intensamente para melhorar nesses quesitos durante todo o ano. Consegui uma meta inimaginável para mim, emagreci muito mais que o esperado, embora mantivesse minha estrutura óssea e tônus muscular. Estava apto a usar o estilo ensinado por Mei, embora não fosse o mais adequado para o meu biótipo.

O rapaz não se conformou nem um pouco com sua derrota, fez cara feia, ficou esperando um engano dos juízes, discutiu com o seu Mestre. Quando saiu de lá parecia muito afetado, ele não vivia na Vila e não tinha intimidade com qualquer pessoa ali. O público o vaiou por se recusar a me cumprimentar ao final da disputa. Eu senti pena do ex-campeão, ele deveria aprender a controlar um pouco mais suas emoções. Talvez menos lutas e mais meditação funcionasse para ele.

Minha amiga e coordenadora do centro comercial de Shang Simla, veio me cumprimentar por vencer o Grande Circuito. Fez um discurso acalorado enaltecendo não só a mim, como a meus Mestres, cidadãos proeminentes da cidade. Lembrou que um grande Dragão de fogo  (meu signo no horóscopo chinês) traria honrarias a todos, durante o cortejo do Ano do Dragão. Por fim me entregou a chave da cidade. O vencedor do Grande Circuito não recebia qualquer troféu, apenas seu nome fazia parte do Hall da Fama do centro comercial, junto a todos os campões dos últimos milênios.

Por fim, recebi a maior das recompensas, um beijo apaixonado da minha belíssima amada e um verdadeiro elogio de meu Mestre:
– Eu não tinha dúvidas, sua disciplina e dedicação faz você o melhor lutador que Shang Simla viu nos últimos tempos! Você superou a todos nós, como se tivesse nascido para as artes marciais. Sinto-me orgulhoso de ter refinado suas técnicas. – eu não teria palavras para agradecer, por isso mesmo apenas o abracei emocionado.

Naquela mesma noite, um antigo cliente de meus serviços como aventureiro me contatou. Ele me cumprimentou pela vitória e disse finalmente ter encontrado uma pista sobre o Covil do Dragão. Perguntou-me se ainda estava interessado em investigar. Era a primeira pista em um ano. Encontrei facilmente a nossa informante, era uma senhora astuta e me contou sobre o aventureiro James Vanghan. Ao que parece, ele escreveu um diário, onde provavelmente teria alguma pista sobre o Covil e sua Lenda.

O próximo passo foi encontrar Sima Zhi, ela era descendente do auxiliar desse desbravador francês. Somos amigos desde a minha primeira viagem, ela adorava passar seu tempo n’O Imperador, apreciando os coloridos drinks locais. Foi uma tarefa fácil convencê-la a me dar informações. Contudo, ela não tinha o diário. Apenas sabia estar na França, com o enólogo de Champs Les Sims. Eu ainda não conhecia a cidade e fiquei feliz por ter um bom motivo para visitá-la.


sexta-feira, 22 de fevereiro de 2013

O Grande Circuito

Alguns podem sugerir que a primeira luta seria muito fácil. Mas não foi bem assim. Um senhor com cabelos brancos e olhos brilhantes me cumprimentou condescendente. Era o vice-campeão do ano anterior, provando que não devemos julgar um oponente por sua aparência. Por um lado, foi muito bom, adquiri muita experiência com minha primeira luta e quando o venci, recebi a recompensa de todo o meu trabalho duro. Contudo, essa vitória me colocou na mira dos outros participantes e mesmo dos poucos espectadores.

A semana passou rapidamente, a cada vitória eu estava mais próximo de desafiar o campeão anterior. Meu corpo muito bem condicionado foi afetado por sofrer tantos golpes em tão pouco tempo. Shang e Mei administravam com uma massagem, milagrosos unguentos, a apagarem as prováveis manchas roxas. Fui instruído a passar pelo menos meia hora no ofurô, após as lutas. Mesmo assim me sentia um tanto alquebrado. Nem todos os participantes se preocupavam com em manter a luta limpa e justa. Para o campeão isso era muito mais fácil, ele só tinha que defender seu status.

Meu penúltimo embate foi muito acirrado, meu oponente não desejava perder e usava todo o tipo de táticas sujas para me tirar a concentração e quebrar meu espírito. Nessas horas agradeci por minha aprendizagem ter iniciado com a meditação. Durante uma disputa eu simplesmente colocava de lado meu ego e assumia com todo o meu ser os movimentos e técnicas tão repetidos no tatame do meu Mestre, sem qualquer distração ou pensamento. Meu corpo era um instrumento afiado e correspondia a cada golpe com precisão.

Ao final, consegui derrotá-lo após duas horas suadas e difíceis. Agora dependia de um bom descanso para enfrentar meu último e mais forte oponente, para finalmente conquistar minha meta. Em minha inocência infantil, ser melhor que o Bruce Lee parecia viável. Contudo ele não estava mais no mundo dos vivos, só poderia provar minha capacidade superior no atual circuito de artes marciais. Esse era o maior evento de todo o mundo, se eu o vencesse seria o melhor do mundo na atualidade. Como adulto isso me bastava.

Após muitas horas de descanso, entre massagens, unguentos e ofurô. O grande dia chegou. Era hora de enfrentar meu último oponente, o campeão a me separar da conquista do título. O rapaz devia ter a minha idade, contudo muito mais alto e de constituição esguia. Ele parecia descansado e muito relaxado, acreditando ser capaz de me vencer facilmente. Eu não lhe daria uma luta fácil, faria o meu melhor, como sempre, e talvez lhe tirasse aquele olhar condescendente. Como sugerido pelos juízes, nos cumprimentamos e a luta começou.


domingo, 17 de fevereiro de 2013

Preparação

Para minha sorte, meus alunos passaram de ano sem precisar de recuperação. Então, em meados de dezembro eu já estava voando para China. Dessa vez, voltei à casa da Mei primeiro. Nós nos comunicamos via skype, durante o último semestre. O que só me fez desejar cada vez mais estar ao seu lado. Combinamos ir juntos para a casa de seu primo. Mais uma vez me hospedaria lá, para priorizar meu treinamento, contudo esperava sua companhia por pelo menos algumas noites.

Ao chegarmos à casa de Shang, não perdemos tempo. Durante todo o período da minha estadia me dediquei com afinco aos treinos, tinha pouco mais de um mês para aprender tudo o que fosse possível com o Mestre. O Grande Circuito de lutas culminava com o Ano Novo Chinês. Viriam lutadores de toda a China e até mesmo alguns ocidentais, como eu. Precisaria de toda a técnica aperfeiçoada ao longo dos anos por um verdadeiro campeão para alcançar meu objetivo maior: Conquistar o torneio e me tornar o melhor lutador de Kung Fu.

Minha amada dedicou boa parte destes dias ajudando o primo com o meu treinamento. Assim como a maior parte das noites aquecendo minha cama e meu coração. Estava completamente arrebatado por seu corpo pequeno e flexível em meus braços, pelos momentos de amor usufruídos antes de adormecermos esgotados. Nossos corpos se encaixavam com perfeição, seja durante o amor traduzido na união de nossos corpos, seja abraçados durante o sono.

Normalmente comemoro o Natal com o Will. Na véspera faço um jantar agradável e tomamos um vinho juntos. No dia seguinte vamos ao Lar Cosme e Damião, distribuímos doces e chocolates para as crianças, além de ajudarmos os recreadores com as diversas atividades. São dias em que procuramos estar unidos como qualquer família. Antes de vir, fiquei preocupado por abandoná-lo justo nessa época, contudo Eva o convidou para participar das festas em Monte Vista, na casa do Gino. Antes de viajar, comprei vários presentes para as crianças do Lar e fiz cartões para todas em meu nome e do Will.

Em Shang Simla, a maioria desconhecia o Natal e o Ano Novo Ocidental. Mesmo assim, fiz questão de fazer uma ceia na véspera, com direito a rabanadas e pato no lugar do peru de Natal. Entreguei presentes aos dois e expliquei toda a história da nossa tradição natalina. Assim como estourei uma champanhe na passagem de ano e brindei com eles, após soltar alguns fogos.

Foi um mês idílico e inesquecível. Nosso relacionamento entrou em um nível de intimidade ainda mais profundo e consegui convencê-la a ir comigo para conhecer Bridge. Dessa vez pouco passeei ou me aventurei nas tumbas escondidas na Vila, totalmente focado em fazer o meu melhor no Grande Circuito. Meu mestre não é de muitas palavras para me elogiar. A cada dia eu percebia estar à altura de disputar e até mesmo vencer nossas lutas. Era gratificante perceber seu olhar atento de aprovação.

O mês passou rápido e a semana do Grande Circuito de lutas deixou a pequena vila em polvorosa. Tudo acontecia no dojô, no tatame externo e poucos podiam assistir a disputa de perto. Não havia prêmio, não havia nenhuma cobrança de ingressos, as pessoas eram livres para assistir do jardim, janelas e escadas, sem qualquer conforto. Eram muitos os participantes. A regra era simples, você luta e precisa vencer para participar no dia seguinte. Na véspera do Ano Novo Chinês acontece a final e o vencedor participa das comemorações, como convidado de honra. E lá estava eu preparado para enfrentar a minha primeira disputa.


sexta-feira, 15 de fevereiro de 2013

Treinando Intensamente

No meu curto período na China, tive a oportunidade de encontrar Andrea Montez. Sentei com ela para meditar por uma hora. Após me contou as novidades sobre o casamento do James e comentou sobre sua falta de conexão wi-fi. Ela pouco sabia sobre meus problemas com a Mei e em minha covardia acabei mentindo sobre estar hospedado dentro das muralhas. Até a convidei para tentar se conectar ou um chá por lá, esperando ter acertado sobre sua educação e a improbabilidade de pedir favores a uma estranha.

Quando voltei para Bridge, meu primeiro pensamento foi em oferecer algum alento a Lana e a mim, por consequência. Minha deusa ruiva é uma mulher extremamente desejável, reconhece sua impossibilidade de manter-se fiel a um único homem e nem tenta. Contudo isso não a impediu de se apaixonar perdidamente por James e se sentir dilacerada com toda a situação. Eu encontro o êxtase em seus braços. É o tipo de mulher que aquece os sonhos mais eróticos, sensível e generosa, uma verdadeira deusa. Sinto uma paixão incontrolável quando estou ao seu lado, ela me faz sentir único e inigualável. Vou ser eternamente apaixonado por essa mulher ardente.

Os meses seguintes passaram muito rápido. Em minhas horas vagas dediquei-me ao meu treinamento. Precisava me focar no meu objetivo e para alcançá-lo necessitava de muita determinação e disciplina. Treinava incansavelmente, só parava para me alimentar, dormir ou trabalhar. O espaço em meu Studio era diminuto para alguns golpes, muitas vezes repassava as técnicas aprendidas à beira da piscina do meu condomínio. Principalmente a noite, quando a maioria se retirava por falta do sol.

Nem só de treinos eu vivia, Will me forçava a sair com ele pelo menos uma vez por quinzena. Dizia ser importante relaxar um pouco para não ficar estressado. Tentei argumentar sobre as artes marciais me ajudarem a manter o foco e eliminar o estresse. Contudo ele exigia apenas um pouco de atenção da única família que ainda lhe restava em Bridge, por isso mesmo não me negava a lhe dar alguma.

Durante este período vi Lana apenas uma vez, quando me convidou para seu Jam Session na Toca do Toninho. Seus inúmeros admiradores pareciam dispostos a conquistar sua atenção, preferi voltar para casa, deixando apenas um cartão e uma flor, para homenageá-la e agradecer pelo convite. Depois desse episódio, esteve envolvida em tantas viagens e até se mudou para Barnacle Bay. Não a vi mais até sua volta a Bridge no ano passado, assim como nossa amiga em comum, Andrea Montez.

Sem Eva na cidade, eu não me entusiasmei a buscar outra mulher para suprir minhas necessidades físicas. Embora, algumas velhas amigas continuaram a me procurar. Gina era uma mulher exigente e sedutora, muitas vezes aparecia a minha porta sem ser convidada e sempre sem avisar. Como seus assaltos eram esporádicos, acabei apreciando suas investidas e isso provavelmente foi um dos maiores erros que cometi. Na verdade eu mal podia esperar para voltar a Shang Simla e aos braços da mulher amada.

*Meus agradecimentos a Lana e a Deka por algumas das fotos dessa atualização.


domingo, 10 de fevereiro de 2013

Possibilidades

Shang olhou para trás e finalmente me viu, se levantou e tocou meu ombro, me dando forças para prosseguir ao sair da cozinha. Minha amada se levantou e repetiu em sua língua a minha fala, tocando meu rosto com seus dedos de seda. Ainda estava em choque, engoli em seco, tentando absorver a grandeza de sentir novamente o frescor de sua pele em contato com a minha. Como eu poderia viver sem ela em minha vida? Esperava seu arrependimento e sua resolução de morar comigo em Bridgeport.

Antes que eu pudesse abrir a boca, ela selou meus lábios com as pontas dos dedos e disse:
– Não fale nada, naquele dia, você se foi sem ouvir meus argumentos. Hoje, peço a oportunidade de esclarecer minha atitude. – me aquietei e esperei sua mão escorregar para o lado do seu corpo, então prosseguiu – Não estou preparada para morar do outro lado do mundo. Vivi aqui por toda a minha vida, talvez não tenha percebido, mas sou tímida com estranhos. Nessa pequena vila encontrei paz e não me sinto intimidada por ninguém. Em uma cidade grande isso seria muito diferente.

Tentei argumentar, contudo ela não me deixou e continuou:
– Por outro lado, sou uma pessoa racional. Mesmo o que tivemos sendo muito especial, preciso de tempo para descobrir se sou capaz de levar esse relacionamento um passo adiante. Quero ter garantias que se escolher ficar ao seu lado, será o melhor para a minha felicidade. Se você estiver interessado em ir devagar, esperar o meu próprio tempo, poderemos nos acertar. O que você acha?

Resolvi ser sincero, e ao mesmo tempo incutir seus ciúmes para apressar sua decisão:
– Eu não posso esperar e estar meses em minha cidade sem encontrar conforto em outros braços. – minha tática foi completamente torpe, mas não deixava de ser verdade, contudo não deu certo. Seu olhar não demonstrava qualquer tensão ou apreensão em relação a minha declaração.

Fiquei ainda mais tenso quando me respondeu:
– Não espero sua fidelidade enquanto estivermos longe, muito menos estou propondo um namoro. Precisamos estar com outros para termos a certeza do que realmente desejamos. Se nosso destino é ficarmos juntos, isso acontecerá, entretanto minha maior dúvida são nossos desejos opostos. Ambos almejamos viver em sua própria cidade, isso me apavora. Não conheço Bridgeport, mas você conhece Shang Simla, não gostaria de morar aqui?

Ela não sentia ciúmes, contudo senti uma pontada de dor ao saber que não haveria fidelidade de sua parte também. Seria um hipócrita se exigisse dela o que não posso conceder, mesmo assim era doloroso pensar nela envolvida com outro homem. Durante um tempo pensei ser possível viver na cidade, mas a vila não tinha nem mesmo uma escola, as crianças aprendiam com seus pais e se desejassem, estudavam fora quando ficavam mais velhas. Mesmo as artes marciais eram passadas de pai para filho. Se vivesse ali teria que procurar emprego na escola mais próxima a mais de duzentos quilômetros de distância, não era possível ficar na China para passar apenas o fim de semana com minha amada.

Expressei minhas preocupações com Mei e no fim ela concordou, Shang Simla recebia bem os forasteiros, contudo não tinha estrutura para ser a residência de homem da cidade como eu. Depois de muito ponderar ela me abraçou e disse:
– Então vamos com calma, quem sabe no futuro descobrimos novas soluções para a distância que nos separa? – eu concordei e selei nosso acordo com um beijo sedento e saudoso, depois disso nos apartamos e fomos para a meditação.

Quando o último visitante foi embora, o Mestre se recolheu em seu quarto e conduzi Mei até o meu. Passamos a noite recordando a maravilhosa sensação de estarmos nos braços um do outro, redescobrindo a beleza de nossos corpos conectados, ouvindo murmúrios de amor. Não dormimos e logo pela manhã minha condução veio para levar-me ao aeroporto. Shang me deu um diagrama com meu treinamento e minha amada um último beijo emocionado. Eu não estava feliz com o desfecho, mas engoli meu orgulho e aceitei o que ela poderia me oferecer. Ainda não estava derrotado, daria o seu tempo e um dia a conquistaria por completo.


sexta-feira, 8 de fevereiro de 2013

Covardia

Quando cheguei a Shang Simla notei as diferenças óbvias das cidades que visitei durante a última semana. A temperatura era amena, as cores não eram tão quentes, embora fossem tão vibrantes e intensas quanto Al Simhara e Monte Vista. Principalmente por causa do sol descendo no horizonte. Aproximar-me da Cidade Proibida me deu um frio na barriga. Contudo eu iria primeiro até a casa do meu Mestre, ele estava me esperando. Trocamos alguns emails nos últimos meses, contei sobre os treinos e recebi mais ensinamentos. Avisei da minha vinda, ainda no aeroporto de Monte Vista, ele se ofereceu para me hospedar e continuar meu treinamento.

Sua casa ficava do lado leste das muralhas. Ao longo de minha curta estadia na Páscoa, não cheguei a conhecer seu lar. Ao me deparar com a fachada, não tive dúvidas, só um poeta poderia viver em um lugar assim. Subi os degraus de sua pequena varanda e me deparei com um ofurô ocupando praticamente todo o espaço do jardim interno, logo atrás notei um espaço coberto com dois acessos sem portas. Ele estava treinando ali, em seu tatame, e era perfeito para a prática das artes marciais.

Não toquei a campainha. Dirigi-me até o tatame, tirei meus sapatos e sentei no chão, esperando terminar uma de suas séries de golpes, muito usada em nossos treinamentos. Quando finalmente terminou, ele me cumprimentou primeiro inclinando a cabeça como um Mestre saúda seu discípulo e por fim me abraçou como um grande amigo saudoso. Instalou-me em um grande quarto e me deixou a vontade para escolher entre um banho, um jantar ou simplesmente apagar até o dia seguinte.

Segui sua lista na ordem. Durante o jantar falamos apenas das minhas aventuras no Egito e Itália. Percebi sua crescente curiosidade sobre a Eva. Shang questionou o quanto eu estava envolvido com ela. Percebi seu lado protetor em relação à prima, por outro lado eu não mentiria para ele ou mesmo para Mei. Contei tudo sobre o nosso relacionamento, enfatizando que só me deixo levar pelas investidas de minha amiga por estar vivendo sozinho. Não escondi quanto amor eu sinto por aquela doidivanas, muito menos o desejo e o carinho. Expliquei; mesmo tendo tudo isso entre nós, sabemos o quão distantes estamos de ser um bom par.

Depois de nossa conversa esclarecedora, passamos os dias seguintes treinando para o circuito no próximo ano. Shang era metódico em seu treinamento, primeiro fazíamos um pouco de Tai Chi Chuan para acelerar o processo de concentração. A princípio mostrava todas as sutilezas dos movimentos de luta, passo a passo e repetíamos tudo lentamente. Seja qual fosse o golpe que deveria acertar o adversário imaginário, ele me fazia sustentar por alguns minutos, me alinhando, mostrando quais músculos firmar, estimulando meu equilíbrio. Era quase como uma aula de yoga. Só então repetíamos todos os golpes, várias vezes.

À tarde repetíamos as sessões de Tai Chi e passávamos lutando. Para minha surpresa, ele já não repelia todos os meus ataques. Meu Mestre parecia orgulhoso do meu aprendizado rápido, embora eu ainda não conseguisse rendê-lo por completo. De qualquer estava confiante de estar mais próximo de conquistar meu objetivo. Os poucos dias a restarem das minhas férias estavam passando em um piscar de olhos. Minha determinação em procurá-la enfraqueceu, sentia-me um covarde. Embora soubesse que estava bem, através do Shang.

Na véspera de minha volta para casa, treinamos o dia todo, sem trégua. Novos movimentos me foram ensinados e os repetimos a exaustão, contudo, meu Mestre finalizou seus ensinamentos uma hora mais cedo. A princípio não compreendi nada, ele me mandou tomar meu banho antes que o sol se escondesse e fez o mesmo. Ainda no chuveiro lembrei-me, minha última noite na China, era uma sexta-feira, noite de meditação e vigília. Quando saí do banheiro, algumas pessoas já haviam chegado e entraram sem qualquer cerimônia, acomodando-se no tatame, da sala de lutas. Seria minha primeira oportunidade para meditar com um grupo tão grande... Contudo estava ainda mais apreensivo por saber quem viria.

Antes de me acomodar com o grupo, fui até a cozinha beber um suco e comer um sanduíche. Iria passar a noite em meditação, por isso precisava preencher o vazio em meu estômago. Quando cheguei, os dois primos estavam sentados conversando, Mei parecia tão apreensiva a me encontrar, quanto eu. Não consegui me mexer, meus olhos congelaram nela, meu corpo travou e meu coração disparou, suava frio em minha nuca e mãos. Seus olhos verdes estavam fixos em mim e brilharam, estavam marejados e uma lágrima descia furtiva sobre a sua face. Eu não me lembrava de nenhuma palavra em mandarim... Falei no meu idioma: senti tanto a tua falta!